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Todo nanopesticida é verde? Entenda a real classificação desses nanoprodutos

 

A nanotecnologia vem transformando a agricultura ao permitir que os pesticidas façam mais com muito menos. As nanopartículas — especialmente as de base polimérica — ajudaram a desenvolver formulações mais eficientes, capazes de liberar os princípios ativos de forma controlada, prolongada e localizada. Isso reduziu as perdas por evaporação e lixiviação, diminuiu a frequência de aplicação e limitou o impacto sobre organismos não-alvo. Em outras palavras, com a nanotecnologia, os pesticidas se tornaram mais inteligentes e menos agressivos ao meio ambiente, possibilitando, ainda, o aumento da produtividade no campo.

Para entender a questão da sustentabilidade no mercado de pesticidas, é importante considerar a importância desses produtos para a produção de alimentos e o impacto das substâncias que os compõem sobre a toxicidade ao meio ambiente. Sem os pesticidas, a produção de alimentos seria inviável globalmente. Só em 2022, o mundo consumiu 3,69 milhões de toneladas desses produtos, e a agricultura é responsável pela maior parte desse consumo. Cada pesticida comercial é composto por ingredientes ativos, que são as moléculas responsáveis pela ação de controle, e pelos coformulantes, ingredientes que melhoram a aplicação, o espalhamento e a estabilidade do princípio ativo. Esses coformulantes — como surfactantes, emulsificantes e dispersantes — representam entre 50% e 90% da formulação total e, embora sejam classificados como “inertes”, podem ser mais tóxicos do que o próprio ingrediente ativo.

Foi nesse contexto de crescente demanda por eficiência e preocupação com a sustentabilidade que surgiram os nanopesticidas, uma nova geração de formulações que conseguiu unir alto desempenho à minimização dos impactos ambientais dos princípios ativos usados em larga escala. Essa inovação marcou o início da chamada era dos pesticidas nanoestruturados, em que a ciência passou a explorar a escala nanométrica para potencializar a ação dos princípios ativos e reduzir o desperdício no campo. No entanto, à medida que as pesquisas avançaram, ficou claro que nem toda formulação nano é necessariamente sustentável e que o rótulo “verde” precisa ser usado com muito mais critério.

Diante desse desafio, pesquisadores do INCT NanoAgro, da Unesp e da USP, realizaram uma revisão abrangente da literatura científica para estabelecer parâmetros técnicos e ambientais mais claros sobre o que, de fato, constitui um nanopesticida verde. O resultado desse trabalho foi publicado em 2025 na revista Sustainable Materials and Technologies (Elsevier), no artigo “The green horizon of agricultural nanotechnology: A pathway for truly sustainable pesticide formulations”, assinado por Vanessa Takeshita, Ana Cristina Preisler, Gustavo Munhoz-Garcia, Felipe Franco de Oliveira, Juliana Milagres, Jéssica Rodrigues, Amanda de Freitas e Leonardo Fraceto.

 

Por que nem todo nanopesticida é verde?

Os nanopesticidas poliméricos são considerados, pelos pesquisadores, a primeira geração de nanopesticidas desenvolvidos para a agricultura. Essas formulações combinam três partes principais: os polímeros, que formam a estrutura da nanopartícula; os surfactantes, responsáveis por estabilizar o sistema e impedir a aglomeração das partículas; e os ingredientes ativos, que controlam pragas. Essa combinação é o que permite modular a liberação do pesticida e proteger o princípio ativo contra condições adversas no ambiente.

Essas formulações foram uma grande conquista tecnológica. Elas permitiram melhorar a solubilidade de compostos que antes não se misturavam com a água, garantir a liberação prolongada e reduzir drasticamente as doses aplicadas. Um exemplo citado no estudo é o do herbicida atrazina, que, ao ser encapsulado em nanopartículas de policaprolactona, pôde ser utilizado em doses até 80 vezes menores do que as formulações convencionais, mantendo o mesmo desempenho e reduzindo os impactos sobre o meio ambiente. Os nanopesticidas poliméricos também melhoraram a adesão das partículas às folhas, aumentaram a fotoproteção e reduziram a toxicidade em peixes e em organismos aquáticos — um avanço significativo rumo a uma agricultura mais eficiente e sustentável.

Ainda assim, esses nanopesticidas podem conter materiais sintéticos potencialmente tóxicos, como solventes orgânicos e surfactantes derivados do petróleo. Mesmo polímeros biodegradáveis podem apresentar algum grau de toxicidade quando aplicados em grandes quantidades. Além disso, há limitações à escalabilidade industrial, custos elevados de produção e lacunas regulatórias que dificultam a avaliação de sua segurança ambiental. Esses desafios mostram que o caminho para uma nanotecnologia realmente sustentável na agricultura ainda está em construção.

 

A nova geração de nanopesticidas e as tecnologias realmente verdes

Na visão dos pesquisadores do INCT, um nanopesticida verdadeiramente verde é aquele em que todos os componentes da formulação — polímeros, surfactantes e ingredientes ativos — são de origem natural, biodegradáveis e ecologicamente compatíveis. Em outras palavras, não basta que apenas um dos elementos seja “verde”: a sustentabilidade deve estar presente em toda a cadeia da formulação, desde a síntese até o comportamento no ambiente.

Na revisão recentemente publicada na Sustainable Materials and Technologies (Elsevier) , os pesquisadores mapearam uma série de alternativas orgânicas e sustentáveis para substituir os materiais sintéticos tradicionalmente usados em nanopesticidas. Entre elas estão biopolímeros como a lignina (subproduto da indústria de papel e celulose), a celulose, a zeína (derivada do milho) e a quitosana (extraída de cascas de crustáceos); biossurfactantes como ramnolipídeos, saponinas e sophorolipídeos; e princípios ativos naturais, como óleos essenciais, peptídeos antimicrobianos e ácidos orgânicos de rápida degradação. Quando combinados, esses materiais formam sistemas altamente eficientes, seguros e de baixo impacto ambiental.

 

Componente Alternativas verdes para a composição dos novos nanopesticidas
Polímeros Quitosana, lignina, celulose, zeína, alginato, pectina
Surfactantes Ramnolipídeos, sophorolipídeos, surfactina, saponinas
Ingredientes ativos Óleos essenciais (neem, cravo, hortelã), peptídeos antimicrobianos, RNAi, ácidos orgânicos

 

A figura abaixo, presente no estudo, mostra a evolução das formulações de pesticidas — das primeiras nanopartículas baseadas em polímeros e surfactantes sintéticos até os nanopesticidas verdes, considerados a nova geração dessa tecnologia. Essa nova etapa combina materiais biogênicos e moléculas de origem natural com processos de síntese mais limpos e alinhados aos princípios da economia circular. Se a primeira geração representou um salto em eficiência e redução de doses, a nova geração propõe um salto ético e ambiental: incorporar a sustentabilidade na própria estrutura química do produto, e não apenas como uma consequência de seu uso.

 

Desafios e Oportunidades

Apesar dos avanços, os desafios para que essa nova geração de nanopesticidas alcance a escala comercial ainda são significativos. A produção em larga escala de nanopesticidas a partir de matérias-primas naturais enfrenta entraves técnicos e econômicos. Processos de síntese com solventes biodegradáveis, por exemplo, ainda são caros e podem comprometer a estabilidade do produto durante o armazenamento e o transporte. Além disso, a variabilidade natural das matérias-primas — como a lignina ou os extratos vegetais — exige um controle de qualidade rigoroso para garantir reprodutibilidade nos resultados.

Do ponto de vista regulatório, há uma lacuna importante. Os testes tradicionais de ecotoxicologia foram desenvolvidos para moléculas convencionais e não conseguem capturar as interações singulares das nanopartículas com o solo, a água e os microrganismos. Como resultado, muitas avaliações de risco podem ser imprecisas ou insuficientes. É urgente estabelecer novos protocolos específicos para nanoformulações e criar critérios harmonizados que definam o que de fato é um nanopesticida verde.

A revisão publicada pelos pesquisadores do INCT NanoAgro propõe um caminho para esse consenso. Ao reunir evidências científicas, discutir limites e apresentar alternativas concretas, o estudo se posiciona como referência para a comunidade científica, a indústria e os órgãos reguladores. A expectativa é que esse esforço contribua para acelerar o desenvolvimento e a adoção de formulações mais seguras, eficientes e sustentáveis — construindo uma nova fronteira da nanotecnologia agrícola: a era dos pesticidas verdadeiramente verdes.

 

Leia o artigo completo: The green horizon of agricultural nanotechnology: A pathway for truly sustainable pesticide formulations – ScienceDirect 

 

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