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Perfil NanoAgro Hudson Carvalho: das descobertas inesperadas também se faz ciência e inovação

Esta edição do Perfil NanoAgro apresenta o professor Hudson Wallace Pereira de Carvalho, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (CENA-USP). Sua trajetória mostra como a pesquisa científica também avança a partir do inesperado: hipóteses que não se confirmam podem abrir portas para descobertas ainda mais férteis.

Hudson é químico pela Universidade Federal de Lavras (UFLA) e doutor pelo Instituto de Química da UNESP e pela Universidade de Paris Sud-11, na França. Atuou como pesquisador no Instituto de Tecnologia de Karlsruhe, na Alemanha, e como docente visitante da Universidade Politécnica Mohammed VI, no Marrocos. Hoje, em Piracicaba-SP, coordena o Grupo de Estudos de Fertilizantes Especiais e Nutrição, unindo nanotecnologia e agricultura para desenvolver fertilizantes especiais, bioestimulantes e novos métodos espectrométricos que ajudam a compreender o metabolismo de nutrientes em plantas e solos.

Entre os projetos atuais, Hudson destacou as pesquisas com óxido de cério em cafeeiros, que podem abrir caminho para cultivos mais resistentes à seca. Nesta conversa, ele reforçou a importância de ousar em hipóteses disruptivas e sugeriu um olhar inovador para a produtividade agrícola. Para Hudson, sustentabilidade também significa produzir alimentos mais nutritivos, capazes de enriquecer a dieta humana sem depender apenas de suplementos artificiais.

Vamos à conversa!

 

Qual é sua principal linha de pesquisa dentro do INCT NanoAgro?

Coordeno o grupo de fertilizantes especiais e nutrição de plantas no CENA-USP. Dentro do INCT, nosso foco é investigar se nanopartículas formadas por nutrientes, como zinco, manganês ou cálcio, podem ser usadas tanto para a nutrição quanto para estimular o metabolismo das plantas. Essa segunda vertente ainda é pouco explorada no mundo e tem mostrado resultados promissores.

 

O que te motivou a ser cientista? E como você chegou até o campo da nanotecnologia aplicada à agricultura?

Minha formação foi em Química, na Universidade Federal de Lavras, num curso muito voltado para aplicações agrícolas. Depois, no doutorado e em um período de pesquisa na Alemanha, estudei a reatividade de nanopartículas. Quando vim para a USP, vi a oportunidade de unir esses dois caminhos: a aplicação da química na agricultura e a nanotecnologia. Enquanto outros setores da indústria já usavam nanoestruturas de forma consolidada, na agricultura os estudos ainda eram incipientes, em grande parte focados apenas em toxicologia. Decidi então investigar como essas estruturas poderiam ajudar a aumentar a produtividade agrícola.

 

Na ciência, nem sempre as hipóteses se comprovam, mas isso não é algo necessariamente ruim. Quais aprendizados importantes apareceram na sua trajetória de pesquisas com nanotecnologia?

Nossa hipótese inicial era que as nanopartículas forneceriam nutrientes de forma gradual e controlada, trazendo ganhos de produtividade em relação às fontes convencionais. Elas, de fato, liberaram os nutrientes de maneira mais gradual. Porém, esse fator ainda não se traduziu em um aumento de produtividade.

Por outro lado, descobrimos algo novo: dependendo do tipo de nanopartícula, a planta reage à sua presença como se fosse um corpo estranho. Essa reação não é negativa; pelo contrário, ela altera o metabolismo, ativa mecanismos de defesa e pode resultar em crescimento mais rápido e maior produtividade. Foi uma mudança de rota importante, que abriu novas perspectivas para a agricultura.

 

Quais trabalhos você destaca entre os projetos que você realiza no INCT NanoAgro?

Hoje estudamos nanopartículas de óxido de cério no cafeeiro. Esse material tem a capacidade de neutralizar radicais livres — que aumentam muito em situações de estresse hídrico. Em ensaios de laboratório, já vimos que o cério funciona como um verdadeiro “extintor de incêndio”, reduzindo a presença dessas moléculas que prejudicam a planta em momentos de seca. O desafio agora é verificar se esse mesmo efeito acontece dentro da planta, em condições reais de cultivo.

Se comprovado, esse mecanismo pode abrir caminho para culturas mais resistentes à seca, um dos problemas que mais afetam a produtividade agrícola no Brasil e no mundo. Trata-se de uma hipótese com grande potencial disruptivo, mas que só poderá ser confirmada com mais tempo e investimentos em pesquisa.

 

Quais os desafios para aproveitar esse potencial disruptivo da nanotecnologia no agro?

O primeiro desafio é o custo: os nanomateriais ainda são muito mais caros do que fertilizantes convencionais. Isso dificulta a viabilidade econômica, embora em alguns cenários esse custo possa ser compensado. Um exemplo é quando a formulação nano permite reduzir o número de aplicações em campo — ou seja, mesmo que o material seja mais caro, ele pode se pagar pela menor frequência de uso.

Outro desafio é avançar no estágio de desenvolvimento. Hoje nossas pesquisas estão em TRL 4 e 5, com resultados em casa de vegetação. Para evoluir para etapas de campo, será necessário tempo, investimentos maiores e uma avaliação mais ampla da segurança ambiental.

 

Qual é a parte mais gratificante de ser um cientista?

Descobrir mecanismos novos é muito recompensador. Por exemplo, conseguimos mostrar que o óxido de zinco se dissolve fora da raiz e entra na planta na forma de íon, enquanto o óxido de cério pode entrar inteiro pela raiz e chegar até a folha, algo que ainda não se compreende totalmente como acontece. 

Além disso, formar pessoas é uma grande realização. Ver um estudante entrar no grupo em um estágio inicial e sair mais preparado e maduro é algo que me motiva muito.

 

Quais parcerias têm sido importantes para o avanço das pesquisas?

No âmbito do INCT, trabalhamos em rede com vários grupos de pesquisa no Brasil. Era uma turma que já colaborava de forma mais pontual, mas o professor Leonardo Fraceto teve o papel de maestro, organizando esse time para que atuasse de maneira coordenada e complementar.

Além disso, eu também mantenho parcerias internacionais. Entre elas estão laboratórios de aceleradores de partículas, como o European Synchrotron Radiation Facility (França) e o Canadian Light Source (Canadá), além de colaborações com o CEREGE (França), a Universidade Politécnica de Madrid (Espanha) e a Universidade Mohammed VI (Marrocos). Esses parceiros internacionais ampliam nossa capacidade de investigar os mecanismos das nanopartículas em detalhe e fortalecem o avanço das pesquisas.

 

Qual mensagem você deixaria para quem está começando na ciência?

Eu diria para buscar hipóteses disruptivas. Quando alguém diz “isso nunca foi feito” ou “ninguém conseguiu provar”, esse é um bom motivo para tentar. É claro que é preciso embasamento sólido em trabalhos anteriores, mas ousar em ideias que podem mudar paradigmas é fundamental para avançar.

 

Um insight para quem quer inovar e gerar sustentabilidade para a agricultura?

A sustentabilidade está muito ligada à produtividade. É essencial produzirmos mais usando cada vez menos insumos. Desafiador, não? Mas é essencial! Contudo, não se trata apenas de produzir mais, mas também de produzir alimentos melhores e mais nutritivos. Temos observado que, ao longo das últimas décadas, o aumento da produtividade quantitativa veio acompanhado da queda da qualidade nutricional de várias culturas — menos proteína na soja, menos minerais nos cereais.

A nanotecnologia pode ajudar a mudar esse quadro. Nanopartículas muito pequenas, dependendo do revestimento, podem aumentar a mobilidade de nutrientes dentro da planta. Isso significa que minerais como zinco, ferro ou manganês conseguem chegar com mais eficiência às partes comestíveis, como grãos e frutos. Ao chegar nesses órgãos, as partículas se dissolvem e liberam os nutrientes exatamente onde eles são mais necessários. É como se criassem uma “capa de invisibilidade”, atravessando barreiras naturais da planta para enriquecer os alimentos de dentro para fora. Essa é uma oportunidade não apenas de aumentar a produtividade, mas de melhorar a qualidade daquilo que chega à mesa da sociedade.

 

Raio X: Hudson Carvalho

 

Hudson Wallace Pereira de Carvalho (CENA/USP)

Hudson Wallace Pereira de Carvalho é professor titular do CENA-USP, em Piracicaba-SP, onde coordena o Grupo de Estudos de Fertilizantes Especiais e Nutrição. É químico pela UFLA e doutor pelo Instituto de Química da UNESP e pela Universidade de Paris Sud-11, França. Atuou como pesquisador no Instituto de Tecnologia de Karlsruhe, na Alemanha, e foi docente visitante da Universidade Politécnica Mohammed VI, no Marrocos. Sua pesquisa se concentra no desenvolvimento de fertilizantes especiais e bioestimulantes, com aplicações da nanotecnologia na agricultura. Trabalha ainda no avanço de métodos espectrométricos e no uso de radiação síncrotron para compreender a absorção, o transporte e o metabolismo de nutrientes em plantas e solos, com foco em soluções sustentáveis e em biofortificação de culturas agrícolas.

Currículo Lattes | LinkedIn

Grupo de Pesquisa relacionado ao INCT: 

Grupo de Estudos de Fertilizantes Especiais e Nutrição 

Participa dos seguintes Eixos Temáticos do INCT: 

01) Design e Caracterização de Nanomateriais Sustentáveis

04) Avaliação de Eficácia Agronômica

 

 

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