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Perfil NanoAgro Amedea Seabra: senso prático da ciência e diálogo com a sociedade

Amedea Barozzi Seabra é professora da UFABC e pesquisadora premiada na área de nanobiotecnologia. A pesquisadora atua com o desenvolvimento de materiais inovadores para aplicações na saúde e na agricultura. Sua carreira é marcada por casos de sucesso de depósitos de patentes e transferência de tecnologia. O senso prático e o retorno da pesquisa para a sociedade são características presentes no dia a dia dos seus projetos dentro do INCT NanoAgro.

A cientista possui diversos trabalhos em andamento com foco na liberação controlada de óxido nítrico, atuando em colaboração com outras universidades dentro da rede do INCT.

Nesta entrevista para o Perfil NanoAgro, Amedea contou um pouco sobre as suas motivações, a sua visão da ciência e deu conselhos importantes a quem deseja seguir carreira na ciência.

 

Qual é sua principal linha de pesquisa dentro do INCT NanoAgro?

Sou química de formação, então meu foco é o desenvolvimento, preparo e caracterização de materiais biodegradáveis e biocompatíveis. Trabalho com nanopartículas, hidrogéis e até materiais macroscópicos, como os filmes poliméricos e o bead, uma estrutura que lembra as bolinhas de sagu. Esses materiais são fornecidos aos colegas do INCT, que os testam nas plantas, como acontece na minha parceria com o professor Halley Caixeta, da UEL. Depois dessa etapa, eu realizo as análises químicas do tecido vegetal dos testes feitos pelos meus colegas.

 

Esses materiais são usados exclusivamente na agricultura?

Não. A aplicação é biológica, o que inclui tanto a área biomédica quanto a agrícola. Por exemplo, no laboratório temos uma sala de cultura de células de mamíferos, onde avaliamos viabilidade celular e ações antitumorais. Os materiais podem ser os mesmos, mas apresentarem aplicações em áreas distintas.

 

O que te motivou a ser cientista e como você chegou até o campo da nanotecnologia aplicada à agricultura?

Eu me formei em Química pela USP, mas, durante a graduação, não fazia ideia do que queria fazer depois. Eu estudava, tirava boas notas, mas ainda estava imatura sobre a carreira. Foi no mestrado em Química que tomei gosto pela pesquisa. Naquela época, ainda não se falava em nanotecnologia, mas já existiam os polímeros biocompatíveis e biodegradáveis. Comecei a trabalhar com isso e fui gostando. Nunca imaginei que trabalharia com agro e acabei chegando aqui.

Como desenvolvo materiais, a aplicação sempre foi uma preocupação. Gosto da Química básica, mas gosto ainda mais de ver o retorno e entender os problemas que estamos resolvendo. Por isso, converso com profissionais de diferentes áreas, como dentistas, médicos, agrônomos e fisiologistas vegetais. Eles me apresentam um problema e eu me pergunto: “O que posso oferecer?”. Assim fui me encontrando. Hoje, o meu carro-chefe são os materiais e eles servem a várias áreas.

 

Qual é o maior desafio e a parte mais gratificante da sua carreira?

O maior desafio é lidar com a burocracia e a falta de apoio institucional nas universidades públicas. Muitas vezes temos financiamento, mas não temos infraestrutura. Por outro lado, a recompensa está em publicar, patentear, formar alunos e interagir com o setor produtivo. A possibilidade de transformar pesquisa em soluções reais não tem preço.

 

Você sempre teve essa postura de aproximação com outros setores?

Eu trabalho com óxido nítrico, uma molécula que atua em processos biológicos diversos, tanto em humanos quanto em plantas. No mestrado e doutorado eu precisei fazer um estágio, e isso me forçou a entender as demandas e interagir com outros profissionais, como médicos, dermatologistas, botânicos… Isso me tornou mais transversal.

Mas eu também sempre gostei do senso prático da ciência e acredito que ela deve dialogar com a sociedade. É importante adaptar a linguagem para diferentes públicos, pois falar com um médico é diferente de falar com um produtor rural. Faço questão de que até minha mãe (que não é da área) entenda o que eu faço. Depois da COVID, ficou mais claro para a população o que um cientista faz. Temos que continuar nesse caminho.

 

Quais trabalhos você destaca, em termos de resultados, entre os projetos que você realiza no INCT NanoAgro?

Temos trabalhos bem consolidados na mitigação de estresse hídrico em culturas como cana-de-açúcar e espécies nativas com o foco em reflorestamento, fruto de uma forte parceria com o professor Halley Caixeta, na UEL. Já estamos em fase de transferência de tecnologia, com artigos publicados e patentes em andamento.

Algumas pesquisas já saíram da casa de vegetação e estão sendo testadas em campo. Na UEL existe uma escola rural, onde pudemos ver essas tecnologias funcionando em um ambiente muito próximo ao real. Por exemplo, um tratamento com nanopartículas resistiu a uma geada inesperada em uma plantação de milho – algo que não foi planejado, mas provou a eficácia da tecnologia em condições reais.

 

E qual mensagem você deixaria para quem está começando na ciência?

Curiosidade é o que move tudo! É preciso não ter medo de errar, de testar, de tentar de novo — e, acima de tudo, nunca se descolar da realidade. A gente tem que entender a sociedade em que vive, a economia, as tendências. Só assim conseguimos, dentro da academia, oferecer respostas concretas para o que a sociedade precisa.

Quem quer entrar na ciência hoje precisa ter esse compromisso com o retorno: pensar nos problemas reais, buscar soluções. Ter patentes não demanda genialidade, mas sim disposição para ouvir e vontade para resolver problemas. Ter essa escuta com outros profissionais é fundamental.

Nossa ciência também não está atrás de outros países. O Brasil tem uma capacidade incrível de resolver problemas, de contornar dificuldades, talvez justamente por tudo o que nos falta. Nosso agro é altamente inovador, autossuficiente, e precisa de tecnologia — mas, muitas vezes, a resposta está na simplicidade. Já vi materiais simples, básicos mesmo, que são os que mais funcionam. São bons, bonitos e baratos. A beleza está na simplicidade.

E, quando você vê o resultado no campo, isso não tem preço. Você olha a planta ali, mais forte, protegida, e pensa: foi o meu material que fez isso. Esse tipo de retorno vale mais do que qualquer artigo.

 

Raio X: Amedea Seabra

Amedea Barozzi Seabra – Universidade Federal do ABC (UFABC)

Amedea Barozzi Seabra é professora da UFABC e pesquisadora premiada na área de nanobiotecnologia. É bacharel em Química pela USP, mestre e doutora em Química pela UNICAMP. Atua no desenvolvimento de materiais inovadores para aplicações na saúde e na agricultura, com foco em liberação controlada de óxido nítrico. Já colaborou com instituições no Reino Unido, Hungria, Canadá e América Latina. Está entre os cientistas mais influentes do mundo, segundo a Elsevier e a Universidade de Stanford. Também se destaca na interface entre universidade, inovação e sociedade.

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Parcerias dentro e fora do INCT:

A professora Amedea tem uma colaboração duradoura com o grupo do professor Halley Caixeta, na UEL, e com docentes da Biologia e Agronomia na mesma instituição. Também trabalha com a UEPG (Ponta Grossa), UNICAMP, UNESP de Rio Claro e o Instituto Agronômico de Campinas. No exterior, colabora com pesquisadores dos EUA, França, Espanha, Inglaterra e Chile.

Parcerias com empresas:

Já teve a startup Nanofeed incubada em seu laboratório, com foco em nanotecnologia para nutrição animal. Também realiza um projeto focado em aplicações agrícolas com a empresa GDM (Londrina – PR), dentro da Unidade Embrapii da UFABC.

 

Artigos de destaque sobre nanotecnologia aplicada ao agro:

 

Patentes relacionadas ao seu trabalho no INCT

Método para retardar o amadurecimento de frutos

  • Registro: BR1020240080289 
  • Autores: SEABRA, A B; PIERETTI, J. C. ; SILVEIRA, N. M. ; VEIGA, J. C. ; BRON, I. U.

Tratamento de sementes para aumentar a resiliência ao estresse ambiental 

  • Registro: BR1020240013468 
  • Autores: OLIVEIRA, H. C. ; SOUZA, B. L. ; ZUCARELI, C. ; FERREIRA, A. S. ; GOMES, D. G. ; SEABRA, A B ; PIERETTI, J. C.

Método para produção e uso de aditivos agrícolas 

  • Registro: BR 1020230267629 
  • Autores: FARFAN, A. M. C. ; HUAMAN, W. R. ; Seabra, A.B.
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