O uso da nanotecnologia em conjunto com compostos naturais promete eficiência no controle de plantas daninhas com menor impacto ao meio ambiente e à saúde humana.
Com a população mundial podendo chegar a 9,7 bilhões de pessoas até 2050, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas, se exigirá um grande aumento na produção de alimentos, o que trará um maior consumo dos recursos naturais e agroquímicos. Hoje, porém, a pressão para se garantir a segurança alimentar é global. Entretanto, há limitações ambientais, socioeconômicas e tecnológicas na busca de uma agricultura mais sustentável, tanto em termos econômicos quanto ambientais. Diante desse fato, é necessário intensificar o plantio agrícola dentro de áreas já cultivadas, para não aumentar mais áreas desmatadas, em conjunto com práticas de manejo integrado de pragas e doenças nas culturas, com soluções inovadoras que aliam produtividade e preservação do meio ambiente.
O Brasil é atualmente o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), aproximadamente 700 mil toneladas de agrotóxicos foram utilizadas no ano de 2021 no país, principalmente nas culturas de grãos, às quais se atribuem 79% do consumo nacional.
Um dos principais desafios enfrentados pela agricultura está no uso excessivo de herbicidas sintéticos, que contém moléculas tóxicas para eliminar plantas indesejadas (daninhas) nas áreas de cultivo. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a perda de produtividade chega a 15% nas culturas de grãos devido a ação das plantas daninhas que competem por espaço, água e nutrientes. Como reflexo dessa ameaça, as plantas invasoras são responsáveis pela necessidade de se empregar 58,45% dos defensivos agrícolas utilizados no país, segundo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Isso acarreta sérios riscos ao meio ambiente e à saúde humana como contaminação da água e organismos aquáticos, poluição do solo e ar, além da presença de resíduos químicos em alimentos e trabalhadores rurais.

Além dos impactos ambientais e sociais, os herbicidas tradicionais apresentam limitações quanto à eficácia agronômica. Em muitos casos, parte do produto é levada pela água da chuva para o solo e lençóis freáticos, se perde no ar ou se quebra com a luz do sol. Isso faz com que o efeito do herbicida nas plantas daninhas seja menor e, ao mesmo tempo, aumenta os danos a organismos não-alvos – insetos, animais, microrganismos e plantas. Assim, a busca por alternativas mais sustentáveis para o manejo agrícola é essencial, com foco em preservar os recursos naturais e garantir uma produção mais segura e responsável. Dessa forma, hoje há um crescente interesse por alternativas mais sustentáveis como os bioherbicidas associados à nanotecnologia.
A nanotecnologia trabalha com materiais extremamente pequenos, as chamadas nanopartículas, medidas em nanômetros (um bilhão de vezes menor que um metro). Essa escala nanométrica permite a criação de novas estruturas mais resistentes à ação da luminosidade e água, liberando seus compostos de forma gradual e se aderindo melhor às plantas
Já os bioherbicidas são derivados de matéria-prima naturais utilizados para controlar o crescimento de plantas daninhas. Ao contrário dos herbicidas sintéticos, que podem conter substâncias tóxicas, os bioherbicidas são mais seguros a saúde humana e ao meio ambiente, pois se decompõem com mais facilidade e tem menor risco de contaminação do solo, água e alimentos.
Ana Cristina Preisler, Engenheira Agrônoma, Mestre e Doutora pela Universidade Estadual de Londrina, atua como pesquisadora em nível de Pós-Doutorado no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro), sediado na Unesp-Sorocaba. Seu supervisor é o professor Leonardo Fernandes Fraceto, Coordenador do INCT NanoAgro, que está na linha de frente no desenvolvimento de projetos voltados ao uso da nanotecnologia para o manejo sustentável agrícola.

Para Ana Cristina “buscar alternativas que possam substituir, reduzir ou otimizar o uso de herbicidas sintéticos é crucial devido a vários fatores, como o aumento de resistência das plantas daninhas, a baixa disponibilidade de novas moléculas no mercado, os impactos negativos ao ambiente (como contaminação de solo, água e de espécies aquáticas), bem como os riscos à saúde humana associados ao uso indiscriminado desses produtos. Além disso, os herbicidas convencionais muitas vezes afetam negativamente organismos não-alvo, como polinizadores e microrganismos benéficos do solo. Com a demanda por práticas agrícolas mais sustentáveis, a utilização de bioherbicida e tecnologias inovadoras, como a nanotecnologia, surge como uma ótima alternativa”.
As nanopartículas funcionam como carreadores inteligentes, espécies de “carrinhos” que possuem uma “capa” protetora que fornecem os compostos naturais dos bioherbicidas de forma gradual e com uma entrega direcionada do produto na planta invasora. A molécula natural fica por mais tempo disponível na planta daninha aumentando o efeito de mortalidade sobre ela. Assim, é possível utilizar menores concentrações de doses do produto, mas com maior efeito e precisão, reduzindo perdas e impactos no ambiente ao redor.
A pesquisadora ressaltou que “os bioherbicidas, por serem geralmente compostos naturais, costumam apresentar alta volatilidade e rápida degradação no ambiente, o que pode limitar sua aplicação e eficácia em condições de campo. Nesse cenário, a nanotecnologia surge como uma solução estratégica para superar essas limitações, oferecendo uma série de benefícios. Através dos nanocarreadores é possível proteger esses compostos da degradação prematura causada por fatores como luz solar, temperatura e umidade, aumentando significativamente sua estabilidade. Além disso, a nanotecnologia permite uma liberação controlada e direcionada da molécula do bioherbicida, garantindo que ela atue de forma mais eficaz por um período prolongado, mesmo com menor quantidade de produto”.
Todavia, ainda existem diversos desafios para a adoção dessa nova tecnologia em larga escala no Brasil. Segundo a pesquisadora, desde a produção até comercialização há uma série de obstáculos técnicos e regulatórios: “é preciso viabilizar a produção em grande escala dos nanocarreadores de forma econômica e sustentável, com garantia de homogeneidade, estabilidade e qualidade das formulações, além de uma maior compreensão sobre a interação entre as nanopartículas e os diferentes tipos de solo e plantas. Do ponto de vista regulatório, os bioherbicidas e nanopesticidas (sintéticos e naturais) enfrentam desafios relacionados à aprovação de novos produtos e à necessidade de regulamentações clara e específica para garantir que esses produtos sejam eficazes e seguros”.
Embora a tecnologia ainda esteja em fase de desenvolvimento e enfrente desafios, observa-se que os avanços nas pesquisas de bioherbicidas formulados com nanotecnologia apontam como uma alternativa promissora e sustentável para o controle de plantas daninhas, provendo o uso de compostos naturais e biodegradáveis de baixo impacto ambiental e contribuindo para a segurança alimentar.

Essa reportagem foi escrita por Natália Valle Holanda Dos Santos Andrade, graduada em Engenharia Agronômica pela Universidade de Sorocaba e estudante de mestrado no programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia dos Materiais da Unesp-Sorocaba. A reportagem foi elaborada dentro da proposta da disciplina “Jornalismo e Divulgação Científica”, oferecida para o Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Unesp-Sorocaba.







