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Do solo ao laboratório: Como nanopartículas e bioestimulantes estão transformando práticas agrícolas com eficiência e sustentabilidade

 

Hoje, a agricultura passa por vários problemas causados por práticas antigas que começaram na época da chamada Revolução Verde, entre as décadas de 1960 e 1970. O uso exagerado de agrotóxicos e fertilizantes químicos, além do mau uso dos recursos naturais, tem provocado efeitos negativos como o aparecimento de pragas mais resistentes, a poluição do meio ambiente, a perda da fertilidade do solo e a contaminação de rios e lagos. Isso afeta tanto os agricultores quanto os consumidores e a natureza. Ao mesmo tempo, a população mundial continua crescendo, o que aumenta a necessidade de produzir mais alimentos. Ainda, cada vez mais as pessoas procuram por alimentos mais saudáveis e com menos resíduos químicos. Para piorar, as mudanças no clima também estão dificultando o crescimento das plantas, tornando o cenário ainda mais desafiador.

A aplicação de nanotecnologia na agricultura tem emergido como uma estratégia inovadora para aprimorar a eficiência no uso de insumos agrícolas e reduzir impactos ambientais. Trata-se de um campo da ciência que manipula materiais em escala extremamente pequena – chamados de nanopartículas – na ordem de bilionésimos de metro (1 nm = 0,000000001 m). Nessa dimensão, as substâncias podem apresentar propriedades diferentes das que têm tamanhos maiores, o que permite desenvolver produtos mais eficazes. Quando aplicada a produtos como herbicidas e inseticidas, a nanotecnologia pode auxiliar na redução da contaminação ambiental, pois parte dos produtos tradicionais muitas vezes se perde no ambiente por processos como a volatização (perda no ar), a fotodegradação (quebra pela luz solar) ou a lixiviação (levada pela água da chuva para o solo e lençóis freáticos).

Nesse cenário, a combinação entre nanotecnologia e bioestimulantes emerge como uma solução estratégica para a agricultura moderna, promovendo a resiliência das plantas, otimizando o uso de recursos naturais e melhorando a produtividade de maneira ambientalmente responsável e economicamente viável. Bioestimulantes são substâncias ou microrganismos aplicados às plantas com o objetivo de estimular processos naturais que melhoram a eficiência do uso de nutrientes, aumentam a tolerância a estresses abióticos – seca, salinidade e variações de temperatura – e melhoram a qualidade do cultivo, independentemente do seu valor nutricional direto. Ao contrário dos fertilizantes tradicionais, que apenas fornecem nutrientes, os bioestimulantes atuam regulando o metabolismo vegetal, promovendo maior vigor, crescimento e produtividade. Essa prática sustentável tem ganhado destaque, especialmente diante das mudanças climáticas, por oferecer uma alternativa promissora para uma agricultura mais eficiente e ambientalmente equilibrada.

 

O Engenheiro Agrônomo Peterson William Pinheiro é mestrando no Programa de Ciência e Tecnologia de Materiais da Unesp e  desenvolve pesquisa no campus de Sorocaba, orientado pelo professor Leonardo Fraceto. O projeto está ligado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro), sediado na Unesp-Sorocaba e coordenado pelo professor Leonardo. Em sua pesquisa de mestrado, Peterson estuda a nanotecnologia aplicada ao agronegócio, concentrando-se em sistemas de nanopartículas para otimização de bioinsumos, visando aprimorar a eficiência agronômica e promover práticas agrícolas mais sustentáveis.

 

O pesquisador Peterson William Pinheiro desenvolve seu mestrado em Ciência e Tecnologia de Materiais na Unesp-Sorocaba

 

Ao ser questionado sobre qual a importância de se usar nanotecnologia na agricultura moderna, Peterson diz que “a nanotecnologia desponta com o potencial promissor de aperfeiçoar a utilização de bioinsumos. Em termos de estabilidade, os compostos bioativos (que apresentam atividade biológica) apresentam limitada estabilidade durante o armazenamento, sendo suscetíveis à degradação em função de diferentes temperaturas, exposição à luminosidade e alteração de pH. Nesse contexto, a aplicação de polímeros naturais ou outras tecnologias de nanoencapsulação pode melhorar a estabilidade da formulação, prolongando a durabilidade dos bioativos”, afirma o pesquisador. Nanocápsulas são pacotes muito pequenos, mil vezes menor que um fio de cabelo, que só podem ser vistas com a utilização de microscópios potentes.

O pesquisador complementa: “As nanopartículas também permitem que estes compostos sejam liberados de maneira sustentada, ou seja, a liberação vai ocorrendo aos poucos. Em plantas, quando um bioestimulante é aplicado, a utilização de seus compostos é rapidamente direcionada e a resposta do alvo é imediata. Já, quando nanoencapsulado, a liberação é feita de maneira gradual e isso contribui para que o organismo distribua os compostos para diferentes finalidades, diretamente relacionadas com o estágio fenológico (fases do desenvolvimento que a planta passa ao longo de seu ciclo de vida) da planta”.

No entanto, apesar do grande potencial, ainda existem desafios para a aplicação em larga escala dessas tecnologias e o pesquisador as cita: “Os principais desafios técnicos e regulatórios para a aplicação em larga escala de produtos nanotecnológicos incluem aspectos relacionados à produção, segurança e conformidade regulatória. A manipulação de nanopartículas exige controle rigoroso de parâmetros como concentração, temperatura e pressão, o que impacta diretamente na reprodutibilidade e na estabilidade dos produtos”. Ele destaca ainda que “a ausência de normativas específicas e a falta de consenso internacional sobre os limites seguros de uso e exposição representam barreiras significativas” e que “o custo elevado dos processos e a necessidade de infraestrutura especializada também dificultam a adoção dessas tecnologias em maior escala”.

Uma das estratégias promissoras para viabilizar essa inovação está relacionada ao modelo da economia circular: reciclar, reparar e renovar materiais e produtos, fazendo com que recursos antes denominados de resíduos passem a ser aproveitados como matéria-prima, promovendo um uso mais eficiente e sustentável dos recursos. Segundo Peterson “a utilização de matérias-primas ligadas à economia circular é fundamental, pois contribui para a redução do desperdício e do impacto ambiental, minimizando a dependência de recursos naturais não renováveis”. Complementa o pesquisador: “esse modelo aproveita resíduos e subprodutos de processos industriais, transformando-os em insumos de alto valor agregado. No contexto agrícola, o uso de matérias-primas circulares permite o desenvolvimento de bioinsumos mais acessíveis e eficientes, com menor impacto ambiental, alinhando-se aos princípios da agricultura sustentável e inovadora”.

Conforme Peterson afirmou, diante dos desafios enfrentados pela agricultura moderna, a união entre ciência e sustentabilidade surge como caminho promissor. A aplicação de nanopartículas com bioestimulantes representa não apenas uma inovação tecnológica, mas uma oportunidade concreta de transformar a produção agrícola em um sistema mais eficiente, seguro e ambientalmente responsável. Apesar dos obstáculos regulatórios e técnicos, políticas públicas já enxergam nesse avanço uma ferramenta essencial para garantir o futuro da agricultura e, com ele, o equilíbrio entre produtividade e preservação ambiental.

 

Essa reportagem foi escrita por Matheus Henrique Lobão de Sousa, graduado em Engenharia Agronômica pela Universidade de Federal de Santa Maria e estudante de mestrado no programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia dos Materiais da Unesp-Sorocaba. A reportagem foi elaborada dentro da proposta da disciplina “Jornalismo e Divulgação Científica”, oferecida para o Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Unesp-Sorocaba.

 

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