
O professor Leonardo Fraceto, coordenador do INCT NanoAgro, também coordena a área de inovação do CEPID CBioClima. Com um histórico de parcerias entre universidade e empresas no seu currículo e uma visão de que a ciência precisa caminhar para a inovação, o professor sente que há lacunas na forma como essa interação acontece nas instituições brasileiras: “Do ponto de vista institucional, eu percebi que falta clareza, principalmente para alguns gestores, sobre quais ações ou iniciativas são interessantes e importantes para aquecer o ecossistema de inovação.” Instigado por essa questão, ele foi até o ecossistema alemão em busca de referências e boas práticas para potencializar e profissionalizar os resultados de inovação das iniciativas que coordena no Brasil. Essa viagem aconteceu em junho deste ano.
A ideia para a realização da missão surgiu durante uma visita do professor Ulrich Schwaneberg, da RWTH Aachen University, ao campus da Unesp em Sorocaba. Na ocasião, Fraceto manifestou seu interesse em conhecer ambientes de inovação no exterior, e Ulrich se dispôs a ajudá-lo a estruturar uma programação. O professor alemão organizou uma agenda que incluiu reuniões institucionais com a área de relações internacionais da universidade, além de visitas técnicas para conhecer os projetos de seu grupo.
As principais descobertas do professor Leonardo nessa experiência nós te contamos nesse artigo.
Inspirações e boas práticas
Durante a visita à Alemanha, o Fraceto esteve acompanhado do vice-reitor da Unesp, Dr. César Martins, do vice-diretor do CEPID CBioClima, Prof. Mauricio Bacci, do gestor de inovação do CEPID, Renan Ramos Chaves, e do pesquisador Jhones Oliveira, que também é CEO da startup B.nano. O grupo conheceu de perto ambientes de inovação com infraestrutura robusta para testes e escalonamento e uma gestão voltada a estratégias de interação direta com as empresas.
Uma das práticas que merece destaque é a forma como as universidades estruturam seus portfólios tecnológicos e se comunicam com o setor produtivo, participando ativamente de feiras e mantendo equipes técnicas voltadas à transferência de tecnologia. Segundo Fraceto, na Alemanha as instituições vão até as empresas, participam de feiras, mantêm estandes e apresentam suas tecnologias — estratégias que ele afirma não serem comuns no Brasil.
O grupo também conheceu o espaço maker da Universidade de Bochum, um dos três da Alemanha, com infraestrutura completa para prototipagem e testes de conceito. O investimento de 20 milhões de euros inclui laboratórios de prototipagem com impressoras 3D, estúdio de filmagem, cozinha industrial e suporte à qualificação de estudantes, dentre outras iniciativas para fortalecimento de ações de empreendedorismo e inovação.
Essa robustez em infraestrutura possibilita que os pesquisadores entrem em contato com a lógica de escalonamento desde o início do desenvolvimento das tecnologias. Fraceto destacou que os centros visitados possuem reatores de diferentes capacidades, o que evidencia a integração da engenharia ao processo de inovação. Na Alemanha, já se pensa em engenharia desde as fases iniciais de desenvolvimento da tecnologia — algo que, segundo ele, ainda precisa avançar no Brasil.
Em termos de mecanismos institucionais, o ecossistema alemão possui estruturas específicas para cada tipo de atuação. “Na Alemanha, existem as universidades e os institutos Max Planck, mais voltados para pesquisa básica e desenvolvimento de projetos de alto risco. Há também os institutos especializados em fazer a transição dessas tecnologias para empresas, como o Fraunhofer, focados em parcerias universidade-empresa-governo”, esclarece.
Outro ponto que chamou a atenção é a divisão da responsabilidade na prospecção de parcerias com os cientistas. Na RWTH Aachen University, o pesquisador tem três anos para buscar parceiros interessados no licenciamento de suas patentes. Se não conseguir, a universidade deixa de arcar com os custos de manutenção da patente, repassando-os ao pesquisador caso ele tenha interesse na proteção da tecnologia. Essa medida, segundo Fraceto, tira o pesquisador da zona de conforto e o incentiva a se engajar com os gestores de inovação na busca por divulgação de suas tecnologias visando a transferência. Para ele, essa prática reforça uma cultura de inovação, na qual os pesquisadores devem dialogar com empresas e assumir um papel ativo no ecossistema.

O Brasil caminha para o fortalecimento
A missão também trouxe a oportunidade de refletir sobre o que o Brasil já realiza com solidez e quais pontos merecem ser aprimorados para fortalecer o ecossistema de inovação. Fraceto observa que, em termos legais e fiscais, as bases brasileiras têm algumas similaridades com as políticas na Alemanha. Para ele, foi positivo constatar que muitas práticas nacionais são bem executadas e que a forma de interação com empresas tem avançado muito.
O desafio, segundo ele, está na capacitação das equipes para realizar a prospecção de parcerias e a articulação com o mercado: “Temos bons profissionais nas universidades, mas ainda podemos avançar em estratégias mais técnicas e articuladas com o setor produtivo. Lá fora, vi equipes altamente especializadas atuando diretamente com empresas.”
Outro caminho importante a ser trilhado, na visão do professor, é o desenvolvimento de um modelo próprio que organize os papéis das instituições na jornada da inovação no Brasil. Ele comenta que, em sua própria experiência, alterna entre ciência básica, desenvolvimento e contato direto com empresas, o que, para ele, demonstra como o processo ainda está muito disperso.
Fraceto acredita ser importante que os profissionais das universidades ganhem mais clareza sobre o momento e o potencial de cada pesquisa, para que sejam dados melhores direcionamentos às tecnologias do portfólio da instituição: “é importante que os profissionais possam avaliar quando os projetos estão em nível de ciência básica, quando já há o potencial de gerar interação com empresas e quando o caso é de interação direta com as corporações, pois as demandas foram trazidas por elas”, esclarece o professor, que observa a mesma necessidade de esclarecimento entre os pesquisadores.
Além das melhorias nos processos de avaliação e direcionamento das tecnologias, Fraceto ressalta que, muitas vezes, projetos com grande potencial de aplicação ainda não recebem um bom apoio para validação de mercado em suas universidades e centros de pesquisa.
O professor também aponta a importância da presença ativa e participativa de pesquisadores e ICTs nos espaços voltados para o mercado. Um exemplo citado por Fraceto é um recente congresso na área de adjuvantes e caldas fitossanitárias, realizado em Ribeirão Preto, considerado um espaço de prospecção de parceiros e de difusão do trabalho do INCT. “Foi uma experiência importante para mim. Comecei a pensar em maneiras de apresentar as tecnologias do INCT de forma mais estratégica, com foco em quem pode se interessar por elas.”
Uma lacuna observada nos dois países é a subutilização e pouca informação sobre bases de patentes pela comunidade acadêmica. Tanto na Alemanha quanto no Brasil foi constatado – conforme questionamentos feitos pela delegação em diferentes instituições – que ainda existe uma visão de que as patentes não fazem parte da rotina dos pesquisadores. Como observa o gestor de inovação do CBioClima, Renan Ramos Chaves, persiste uma ideia de que a única utilidade desses repositórios são as pesquisas de anterioridade, negligenciando-se as ricas informações técnicas disponíveis nesses documentos. “Essa mentalidade ignora uma parte fundamental dos sistemas de patentes, que é a possibilidade de tornar público o conhecimento. Patente vem do latim patens, que significa ‘aberto’, ‘exposto’, ‘evidente’”, pondera Chaves.
Destaques brasileiros na missão
Durante a imersão no ecossistema alemão, o grupo brasileiro apresentou tecnologias na área da bioeconomia, desenvolvidas no INCT NanoAgro e no CEPID CBioClima, como uso de biomateriais, de lignina e de pigmentos naturais extraídos de flores com potencial para absorção de radiação UV, e tratamentos hormonais. “Não fizemos apenas relacionamento institucional. Eles puderam ver que temos muitas inovações, o que estimulou o interesse em futuras parcerias”, ressalta Fraceto. O pesquisador e empreendedor Jhones Oliveira apresentou o case da sua startup, a B.nano, gerando bastante interesse nos colegas alemães.
“A recepção dos nossos cases foi muito boa. Eles fizeram muitas perguntas e demonstraram interesse. Como resultado, estamos agendando várias reuniões de follow-up”, relata o professor Leonardo. Na evolução dessas conversas, estão sendo consideradas parcerias com diferentes instituições. Há, por exemplo, a oportunidade de colaboração com uma tecnologia da Universidade de Bonn que faz o rastreamento de moléculas de CO2 nas plantas. “Isso pode preencher uma lacuna enorme: entender o mecanismo de transporte e rastreamento de moléculas em plantas incluindo condições de estresse e pode auxiliar no desenvolvimento de novas tecnologias para o Agro.”
Também está sendo discutida a criação de uma parceria para testar o desempenho das formulações desenvolvidas no INCT/CBioClima em um projeto de horta vertical (Orbit-Plant) com o Instituto Fraunhofer de Biologia Molecular e Ecologia Aplicada (Fraunhofer – IME). Outra iniciativa que está em tratativa é a possibilidade de intercâmbio e formação de estudantes brasileiros em treinamentos e cursos organizados no espaço maker da Universidade de Bochum.

Infraestrutura de Escalonamento: a virada de chave que o Brasil precisa
Na avaliação do professor Leonardo, a visita ao ecossistema da Alemanha confirmou a importância dos centros voltados para a maturação tecnológica, como, por exemplo, plantas piloto para o escalonamento de processos. Para o pesquisador, o Brasil precisa investir em mecanismos para que as pesquisas avancem em TRL (Technology Readiness Level – nível de maturidade tecnológica), a exemplo do que já é feito em algumas instituições como CNPEM, Institutos Senai de Inovação, IPT, entre outros. “Visitamos as instalações do Instituto Fraunhofer, que lembram muito o que se observa em alguns centros e institutos brasileiros. Mas o Brasil ainda precisa preencher a lacuna do aumento de TRL”, comenta Fraceto.
Esses exemplos devem ser ainda mais estimulados por meio de novos recursos, como os editais da FINEP para infraestrutura de escalonamento de processos. “Esses projetos precisam ter uma articulação muito forte com empresas para que possam realmente criar ambientes que fortaleçam esses avanços em TRL”, alerta o professor.
Fraceto ressalta que a distância entre a ciência e as engenharias reforça as barreiras na maturação de tecnologias para o mercado: “Precisamos estimular e qualificar mais nossos estudantes das engenharias para trabalhar com processos e escalonamento. Existem ótimos cursos de engenharia no país, mas a criação de mais ambientes de escalonamento poderia ampliar a qualificação profissional nesse campo de trabalho”. O professor sugere também que essas iniciativas envolvam startups e pós-graduandos focados no desenvolvimento de novas tecnologias, para que sejam orientados sobre as melhores rotas de escalonamento desde os primeiros passos dos seus projetos.
Outras premissas que não devem ser ignoradas para que os investimentos em infraestrutura de escalonamento sejam bem aproveitados é a governança e a articulação com o setor produtivo. A ideia é evitar a construção de instalações de ponta que não tenham sua capacidade totalmente utilizada. O professor alerta que, para o bom funcionamento e geração de resultados nesse tipo de investimento, é necessário ter parceiros da iniciativa privada envolvidos desde o começo: “Antes de fazer qualquer planta, é preciso amarrar institucionalmente as parcerias com empresas para o uso dessas facilidades.”
Do ponto de vista de novos negócios e startups, Fraceto salienta como a existência dessas plantas pilotos poderia incentivar o empreendedorismo dentro da universidade: “Talvez o ideal seja estimular que as deep techs escalem seus processos em um ambiente público, ou público-privado. Hoje, a startup tem duas opções: fazer um curto projeto de desenvolvimento e já transferir a tecnologia para as corporações ou seguir a longa trilha de validação, captação de recursos, montagem de planta etc., o que é um caminho muito árduo.”
Buscar novos modelos, não só tecnologias

Muito mais do que trocas sobre tecnologias, a missão ao ecossistema alemão permitiu um mergulho profundo em modelos organizacionais para desenvolver inovação. A conversa entre instituições abre portas para avanços significativos em projetos desenvolvidos no INCTNanoAgro e no CEPID CBioClima. Além disso, inspira a criação de modelos viáveis e adaptados à realidade brasileira, garantindo que o conhecimento gerado na academia seja transferido para a sociedade na forma de novas tecnologias.
“Mais do que levar cases brasileiros, a intenção foi entender de que forma outras universidades e centros de inovação estão organizando seus processos — algo que pretendo manter como prática em futuras missões de inovação em outros países”, explica.
O legado que a missão deixa é simples e, ainda assim, transformador: “A gente pode fazer mais do que visitas técnicas pontuais. A gente pode aprender modelos organizacionais para desenvolver inovação — e trazer esses aprendizados para fortalecer o ecossistema brasileiro”, finaliza.







