
Nos últimos anos, a agricultura brasileira tem sido marcada por eventos climáticos extremos, com destaque para períodos prolongados de estiagem intercalados por chuvas intensas. Essas condições têm impactado significativamente produtores de diversas culturas. Só este ano, produtores de soja do Rio Grande do Sul relataram quebras de até 50% na produção devido à seca prolongada e ondas de calor que elevaram as temperaturas acima dos 40 °C. A Bahia — segundo maior produtor de algodão do país — também enfrentou estresse hídrico em março, o que causou preocupação entre os produtores, que contam com a normalização do volume de chuvas para atender às estimativas de produção do setor. Com as estiagens, uma das estratégias adotadas pelos produtores é ampliar a área plantada.
Produção de algodão no Brasil: crescimento e desafios
O Brasil consolidou-se como o maior exportador mundial de algodão em 2024, superando os Estados Unidos. Para 2025, a estimativa é de uma produção recorde de 9,0 milhões de toneladas, um aumento de 1,8% em relação ao ano anterior, segundo o IBGE. Esse crescimento é impulsionado pela expansão da área plantada, que deve atingir 2,14 milhões de hectares, com destaque para os estados de Mato Grosso, Bahia e Minas Gerais. No entanto, manter a produtividade e a qualidade da fibra diante de eventos climáticos extremos, como a seca prolongada, exige diversificação de estratégias. É nesse contexto que as pesquisas com nanotecnologia ganham relevância, buscando desenvolver plantas mais resilientes ao estresse hídrico.
Pesquisas inovadoras com nanotecnologia no combate à seca
Dois pesquisadores vinculados ao INCT Nano Agro estão desenvolvendo estudos promissores para aumentar a tolerância do algodoeiro à seca por meio da nanotecnologia. Bruno Teixeira de Sousa, engenheiro agrônomo e doutor em agronomia, atualmente realiza pós-doutorado pelo INCT e estuda como o grafeno pode contribuir para a tolerância das plantas aos períodos de estiagem. Janaína da Silva, engenheira agrônoma e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Agronomia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), está realizando seu doutorado sanduíche no Hawkesbury Institute for the Environment, na Western Sydney University, Austrália. A pesquisadora investiga os efeitos do tratamento com óxido nítrico nanoencapsulado sobre mecanismos hidráulicos de plantas expostas à seca. A orientação dos trabalhos é do professor Dr. Halley Caixeta, da UEL.
Nano Priming: sementes feitas para resistir
A pesquisa de Bruno Teixeira de Sousa investiga o uso de nano priming, uma técnica que consiste no tratamento de sementes com nanomateriais para induzir respostas mais eficientes em condições adversas. No experimento, sementes de algodão foram tratadas com suspensões contendo nanomateriais à base de grafeno*, mais especificamente multilayers e óxidos de grafeno. O tratamento envolve a hidratação das sementes com um baixo volume da suspensão sob agitação constante, seguida de um processo de secagem. Após esse preparo, as sementes foram submetidas a testes em laboratório e em casa de vegetação.

Na etapa laboratorial, foi simulada uma condição de déficit hídrico e observou-se melhora significativa no desenvolvimento inicial das plantas. O efeito variou de acordo com as doses do nanomaterial: em algumas concentrações, houve estímulo ao crescimento radicular, enquanto em outras, o benefício foi maior na parte aérea da planta. As doses e os materiais mais promissores foram então levados para testes em casa de vegetação.
Na casa de vegetação, as plantas foram cultivadas em vasos com substrato e submetidas à redução do volume de água. Mesmo em estágios mais avançados de crescimento, as plantas originadas de sementes tratadas mostraram maior tolerância à seca, com melhor desempenho em parâmetros fisiológicos e de crescimento.



Nanoencapsulação de óxido nítrico
Já a pesquisa de Janaína da Silva explora os efeitos do óxido nítrico (NO) nanoencapsulado** na resposta das plantas de algodão ao estresse hídrico. O NO é um regulador do crescimento vegetal já conhecido por aumentar a tolerância a condições adversas, e a sua nanoencapsulação potencializa esses efeitos. A hipótese do estudo é que a aplicação do NO nanoencapsulado pode influenciar parâmetros hidráulicos, facilitando o transporte de água em plantas tratadas. Para isso, foram utilizadas nanocápsulas de quitosana/TPP contendo GSNO, uma molécula doadora de óxido nítrico. A aplicação foi feita via substrato, com parte das plantas mantidas em condição de capacidade de campo e outra parte submetida à seca, para que fossem avaliadas as variáveis fisiológicas e hidráulicas.

As fotos do experimento piloto realizado no Brasil ilustram com clareza a diferença visual entre as plantas tratadas e não tratadas: aquelas que receberam o NO nanoencapsulado apresentaram maior vigor mesmo sob déficit hídrico. Os testes realizados no Brasil mostram que o tratamento reduz de forma significativa os sintomas de murcha das plantas. Atualmente, Janaína está aprofundando esses estudos na Austrália, com foco nos efeitos do tratamento sobre o transporte de água nas plantas — um aspecto ainda pouco explorado nos estudos com óxido nítrico.
“Diferentes estudos do nosso laboratório têm demonstrado que a aplicação do óxido nítrico colabora para o aumento da tolerância de plantas a estresses abióticos, incluindo a seca, e que esses efeitos benéficos são potencializados quando o NO é nanoencapsulado. Contudo, esses estudos são focados principalmente na fisiologia e bioquímica das plantas, e nós desejamos saber se esse tratamento também altera o transporte de água pela planta. Por isso, aqui na Austrália, estou avaliando os efeitos do tratamento com NO nanoencapsulado sobre os mecanismos hidráulicos de plantas de algodão expostas à seca”, explica Janaína.


Sustentabilidade e inovação para o futuro da agricultura
As pesquisas de Bruno Teixeira de Sousa e Janaína da Silva demonstram como a nanotecnologia pode contribuir para soluções agrícolas mais sustentáveis e adaptadas às mudanças climáticas. O desenvolvimento de estratégias que aumentem a tolerância das plantas à seca é essencial para garantir a produtividade e a estabilidade da cotonicultura brasileira, especialmente em um cenário de eventos climáticos cada vez mais extremos.
Além de fortalecer a liderança do Brasil na produção de algodão, esses estudos abrem caminho para o uso inteligente e eficiente da nanotecnologia no campo, unindo ciência de ponta e inovação aplicada à agricultura tropical.
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*Nanomateriais à base de grafeno: as formulações são fornecidas pela Prof. Ana Melva Champi Farfan da UFABC de Santo André
**Óxido nítrico (NO) nanoencapsulado: as formulações são fornecidas pela Prof. Amedea Barozzi Seabra, da UFABC, Santo André







