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Nanotecnologia e moléculas naturais: a busca de Claudia Martinez por um agro mais sustentável

Professora titular do Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Claudia Bueno dos Reis Martinez coordena o Laboratório de Ecofisiologia Animal e orienta alunos de mestrado e doutorado em diferentes programas de pós-graduação da instituição. Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos, com mestrado na USP e doutorado realizado em parceria entre a USP e a Universidade de Leicester (Inglaterra), Claudia construiu sua carreira em torno do estudo da ecofisiologia de animais aquáticos e da ecotoxicologia.

No INCT NanoAgro, seu trabalho tem se voltado a investigar os efeitos de nanopesticidas em organismos não alvo e a buscar alternativas mais seguras para a agricultura. O grupo que lidera em Londrina tem se dedicado, especialmente, a estudar moléculas naturais encapsuladas em nanopartículas biodegradáveis, capazes de manter a eficiência no campo e reduzir os impactos sobre a biodiversidade. Apaixonada pelo convívio com seus alunos, Claudia vê na pesquisa e na formação de novos cientistas uma forma de contribuir para um futuro agrícola mais sustentável.

 

Qual é sua principal linha de pesquisa dentro do INCT NanoAgro?

Claudia: Minha atuação dentro do INCT NanoAgro é avaliar a toxicidade de nanomateriais, em especial nanopesticidas, em organismos que não são o alvo desses produtos. O foco está em organismos aquáticos, como peixes, girinos e moluscos bivalves (mexilhões). Esse trabalho é fundamental porque o Brasil é hoje o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.

Esses compostos chegam inevitavelmente aos corpos d’água e trazem sérios impactos para a biota aquática. Em Londrina, no norte do Paraná, onde vivo e desenvolvo minhas pesquisas, já encontramos resíduos de agrotóxicos em diferentes amostras de água, inclusive substâncias proibidas em vários países, como a atrazina.

O objetivo do nosso grupo é buscar alternativas mais sustentáveis. Uma estratégia é encapsular os pesticidas em nanopartículas, o que aumenta a eficiência no campo e permite reduzir as doses aplicadas. A atrazina nanoencapsulada, por exemplo, mostrou-se mais eficiente, com liberação controlada, e menos tóxica para organismos não alvo. Paralelamente, temos voltado os esforços para moléculas de origem natural, como o geraniol e o eugenol, que podem se tornar alternativas ainda mais seguras para o meio ambiente.

 

O que te motivou a ser cientista e como você chegou até o campo da nanotecnologia aplicada à agricultura?

Claudia: Sou bióloga e, desde a graduação, me interessei pela fisiologia de animais aquáticos. Meu primeiro estágio foi na área de respiração de peixes, e ao mesmo tempo eu já tinha curiosidade por temas ligados à poluição. Esse interesse me levou ao mestrado em ecotoxicologia, quando investiguei os efeitos do benzeno em caranguejos de mangue após acidentes de derramamento de petróleo no litoral norte de São Paulo.

Depois desse período, vim para Londrina dar aulas e acabei permanecendo. Aqui, a grande problemática estava no uso intensivo de agrotóxicos, e retomei os estudos com peixes, aproveitando a estrutura da universidade, que possuía uma estação de piscicultura com cultivo de curimbas. Aos poucos, alunos da biologia começaram a procurar estágio no laboratório, conseguimos recursos, montei a estrutura de pesquisa e passei a orientar iniciação científica, mestrado e doutorado.

Sempre considerei essa temática muito relevante. Já mostrei em diversos trabalhos os efeitos dos agrotóxicos sobre os organismos aquáticos. Com o INCT, tive a oportunidade de ir além, investigando alternativas mais sustentáveis que possam causar menos danos ao ambiente. Já sabemos dos problemas, agora precisamos ajudar a construir soluções.

 

Qual é o maior desafio e a parte mais gratificante da sua carreira?

Claudia: Gosto muito do que faço e me sinto realizada com a pesquisa. O maior desafio é contar com a infraestrutura necessária para desenvolver todo o potencial do trabalho, desde equipamentos e materiais de consumo até o acesso a recursos que sustentem o laboratório em funcionamento. Nem sempre conseguimos avançar no ritmo que gostaríamos, mas seguimos encontrando caminhos.

Por outro lado, a parte mais gratificante está no convívio com os estudantes. Eles chegam cheios de ideias, fazem novas perguntas e nos instigam a crescer juntos. Aprendemos uns com os outros todos os dias. Esse contato constante me dá motivação para continuar. Mesmo já tendo tempo suficiente para me aposentar, ainda não pensei em parar, porque gosto de estar no laboratório, discutir ciência e ver de perto a formação de novos pesquisadores.

 

Com quais universidades e grupos de pesquisa você trabalha em parceria, no âmbito do INCT?

Claudia: Aqui na Universidade Estadual de Londrina eu colaboro com o professor Halley Caixeta e com a professora Silvia Helena Sofia Também mantenho parcerias com o grupo do professor Leonardo Fraceto (UNESP Sorocaba), com o grupo da professora Renata Lima, da Uniso — com quem já publicamos trabalhos em conjunto — e com a professora Daiana Alves, da Unipampa.

Antes mesmo do INCT, tivemos um projeto aprovado em edital universal para realizar testes com geraniol e eugenol em diferentes organismos, como peixes, abelhas e o nematoide C. elegans, usado como modelo de solo. Essas colaborações têm sido fundamentais para ampliar o alcance e a qualidade das pesquisas.

 

Quais trabalhos você destaca, em termos de resultados ou relevância, entre os projetos que você realiza no INCT NanoAgro?

Claudia: Acredito que os nossos resultados são bastante relevantes porque mostram a possibilidade de usar pesticidas de origem botânica nanoencapsulados, que causam muito menos impacto ambiental. Esse é um caminho importante para que, no futuro, as empresas possam adotar alternativas mais sustentáveis em escala maior. Ainda estamos em fase de testes, mas já está claro que não dá mais para continuar usando agrotóxicos na quantidade atual.

Entre os trabalhos desenvolvidos, destaco a pesquisa com a atrazina nanoencapsulada. Nos testes com mostarda e milho, ela se mostrou dez vezes mais eficiente, permitindo o uso de uma concentração muito menor. Depois, ao avaliar a formulação em organismos aquáticos, observamos que era também menos tóxica, ainda que naquela fase a cápsula utilizada fosse sintética (PCL).

Mais recentemente, os esforços têm se concentrado em moléculas de origem natural. Já testamos o nanogeraniol e temos em andamento estudos com nanoeugenol e nanotimol. Um novo sistema que vamos investigar combina carvacrol e curcumina, desenvolvido e caracterizado pelo grupo do professor Leonardo. Ele já foi publicado como eficiente no controle de pragas e agora estamos avaliando se não traz efeitos toxicológicos para organismos não alvo.

Além dos testes em peixes, também passamos a avaliar esses compostos em abelhas, polinizadores fundamentais para a agricultura e que sofrem com o chamado desaparecimento devido ao uso excessivo de agrotóxicos. Nesses estudos, observamos biomarcadores que indicam alterações na saúde desses insetos, como estresse oxidativo, mudanças fisiológicas e comportamentais.

Hoje, utilizamos nanocápsulas feitas de zeína, proteína do milho que é natural, biodegradável e biocompatível, e que tem se mostrado bastante eficiente. Esse conjunto de resultados reforça que é possível desenvolver pesticidas mais seletivos e sustentáveis, capazes de proteger a produção agrícola sem comprometer a biodiversidade.

 

E qual mensagem você deixaria para quem está começando na ciência?

Claudia: É muito importante buscarmos alternativas que permitam um agro sustentável. Estamos em um momento de crescimento populacional, com aumento da demanda por alimentos, e precisamos de soluções que conciliem produtividade e preservação ambiental.

Fazer ciência não é simples: exige esforço, dedicação e resiliência. Mas, ao mesmo tempo, é extremamente gratificante. O caminho é cheio de desafios, mas também de conquistas. Para quem está começando, eu diria que vale a pena se engajar nessa trajetória, porque contribuir para transformar a agricultura em algo mais sustentável é, acima de tudo, uma forma de impactar positivamente o futuro.

 

Raio-X: Claudia Bueno dos Reis Martinez

Minibio

Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (1985), com mestrado em Ciências (Fisiologia Geral) pela USP (1990) e doutorado no Departamento de Fisiologia Geral do IBUSP em parceria com a Universidade de Leicester, Inglaterra (1995). É professora titular da Universidade Estadual de Londrina, onde coordena o Laboratório de Ecofisiologia Animal e orienta alunos de mestrado e doutorado nas áreas de ecofisiologia de animais aquáticos e ecotoxicologia aquática.

Link do Lattes

Eixo Temático de que participa no INCT: Topic 5 - Evaluation of the toxicity of nanomaterials

Parcerias no INCT

Colabora no INCT NanoAgro com o professor Halley Caixeta (UEL), o professor Leonardo Fraceto (UNESP Sorocaba), a professora Renata Lima (Uniso) e a professora Daiana Alves (Unipampa). 

 

Artigos de destaque sobre nanotecnologia aplicada ao agro: 

Assessing the impacts of nanoencapsulated geraniol on amphibians: A step  toward sustainable pesticide alternatives? 

Assessing nanoencapsulated geraniol as a safer pesticide alternative: insights from biomarker responses in a neotropical fish species

Different Concentrations of Nanoencapsulated Geraniol Induce Lethargy and Acetylcholinesterase Activity in Aquarana catesbeiana Tadpoles

Biogenic metallic nanoparticles (Ag, TiO2, Fe) as potential fungicides for agriculture: are they safe for the freshwater mussel Anodontites trapesialis?

Álcool vira pesticida natural que preserva anfíbios | Agro Estadão 

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