A crise climática tornou a restauração florestal uma tarefa urgente — e também extremamente desafiadora. Mais do que propósito, a missão inclui lidar com solos degradados, secas prolongadas e altas taxas de mortalidade de mudas em campo. O NAPI Biodiversidade: RESTORE, um dos Novos Arranjos de Pesquisa e Inovação organizados pela Fundação Araucária, com foco na Mata Atlântica, surge nesse cenário como um laboratório vivo de inovação. Um de seus principais trunfos? A nanotecnologia.
Entre os dias 26 e 27 de junho de 2025, Londrina foi palco do 2º Workshop RESTORE, evento que reuniu pesquisadores, gestores públicos, representantes do setor produtivo e organizações da sociedade civil para discutir o futuro da restauração ecológica. O encontro marcou também o encerramento do primeiro ciclo de financiamento do projeto. Agora, uma nova etapa começa a se desenhar a partir das conexões e aprendizados proporcionados nesses dois dias de trocas intensas.
O que é o projeto RESTORE?
RESTORE é o acrônimo de natuRe-basEd SoluTions for imprOving REforestation — soluções baseadas na natureza para melhorar o reflorestamento. O projeto propõe justamente isso: usar a própria lógica da natureza, somada a ferramentas biotecnológicas, para aumentar a eficiência da restauração florestal.
“Trabalhamos com inoculantes microbianos, biomateriais e nanotecnologia para tornar as mudas mais tolerantes à seca e mais preparadas para solos pobres. A ideia é produzir mudas mais fortes, que tenham maior chance de sobreviver e crescer no campo”, explica Halley Caixeta, coordenador do projeto.
O projeto é executado de forma colaborativa entre Brasil, França e Alemanha, e os testes de campo são realizados em três florestas com diferentes características climáticas: a Floresta Atlântica Estacional Semidecidual (Brasil), a Floresta Decídua de Carvalho Mediterrâneo (França) e a Floresta Temperada Mésica (Alemanha). Essa abordagem internacional permite cruzar dados e padrões ecológicos em contextos diversos, reforçando a robustez das soluções desenvolvidas.
Como a nanotecnologia pode mudar o jogo do reflorestamento
A nanotecnologia tem se revelado uma das ferramentas mais promissoras do projeto. Isso porque as partículas em escala nanométrica conseguem interagir diretamente com células vegetais, promovendo efeitos precisos e controlados.
Um dos exemplos apresentados por Halley Caixeta no workshop é o uso de nanopartículas para liberação controlada de óxido nítrico (NO), um gás associado à resposta de defesa das plantas. “Como é um gás, o NO se dispersa muito rápido no ambiente. Mas, ao encapsular moléculas doadoras de NO, conseguimos protegê-lo e fazer com que ele seja liberado aos poucos, aumentando sua eficácia na planta e evitando desperdícios”, explica o professor. A técnica permite reduzir drasticamente a quantidade de insumos aplicados e elevar a taxa de sobrevivência das mudas em campo.

Comparativo entre mudas com aplicação de nanopartículas e sem (Foto/Arquivo Pessoal)
Outro exemplo é a aplicação de ácido giberélico encapsulado, responsável por estimular a germinação. Testes com sementes de tomate mostraram resultados animadores, e agora os pesquisadores estão avaliando o efeito em espécies nativas da Mata Atlântica.

Comparativo entre mudas com aplicação de nanogiberelina e sem (Foto/Arquivo Pessoal)
Além da eficiência, a nanotecnologia também oferece vantagens ambientais e econômicas. “Quando se usa a tecnologia convencional, são necessárias até 2 mil gramas de um microrganismo por hectare. Com a nano, usamos só 200 gramas. Isso significa menos gasto, menos impacto ambiental e maior controle sobre o processo”, destaca Halley.
Biomateriais e biopolímeros: soluções que vêm do resíduo
O RESTORE também aposta no uso de biomateriais produzidos a partir de resíduos da agroindústria, como bagaço de cana, farelo de aveia e casca de laranja. “É uma forma de transformar resíduos em insumos valiosos para o solo”, explica Halley.
Um desses biomateriais são as espumas orgânicas — visualmente parecidas com salgadinhos “cheetos” — que, quando misturadas ao solo, vão se degradando lentamente, liberando nutrientes e sendo absorvidas pelas raízes das mudas. Há também o hidrogel, capaz de reter água no entorno da planta logo após o plantio, evitando perdas por seca nos primeiros dias críticos.
Outro destaque são os tubetes biodegradáveis, que substituem os tradicionais recipientes plásticos usados na fase de viveiro. “Ao plantar diretamente com o tubete orgânico, evitamos o estresse de retirar a muda do recipiente. E mais: esses tubetes podem carregar microrganismos benéficos que serão liberados conforme a decomposição do material”, detalha Caixeta.
Entre os biopolímeros, chama atenção o uso de nanoquitosana — derivada de crustáceos e fungos — que, combinada com o NO, mostrou ser capaz de estimular os estômatos das plantas a se abrirem no início da manhã, quando a umidade é maior. “Isso permite que a planta faça fotossíntese sem perder tanta água, resolvendo um dos maiores dilemas fisiológicos das espécies nativas em situações de seca”, afirma Halley.
O Workshop RESTORE 2025: troca, ciência e novas alianças
O evento de dois dias foi realizado no Anfiteatro Cyro Grossi, no Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), com uma programação dividida entre mesas de discussão e apresentações científicas. No primeiro dia, representantes de órgãos governamentais, empresas, ONGs e grupos de pesquisa debateram desafios da restauração ecológica em quatro grandes eixos:
- Órgãos Governamentais: Desafios e caminhos para a Restauração Ecológica
- Setor produtivo de execução da Restauração: Desafios e caminhos para a Restauração Ecológica
- Setor produtivo de desenvolvimento de tecnologias para a agricultura sustentável: Desafios e caminhos aplicáveis à Restauração Ecológica
- Sociedade Civil Organizada: Desafios e caminhos para a Restauração Ecológica
Já o segundo dia foi voltado à apresentação dos resultados do projeto, incluindo testes com nanomateriais, microrganismos associativos e biomateriais diversos.
“O workshop foi pensado como um momento de fechamento do primeiro ciclo do projeto, mas também de abertura de possibilidades para um novo ciclo, mais conectado com as demandas reais dos setores produtivo e ambiental”, avalia Halley. “Foi um espaço de escuta e de construção. Muitas vezes, cada setor trabalha isolado no seu universo. Mas quando colocamos todos na mesma sala, vemos o quanto há possibilidade de colaboração.”
Cooperação regional: a América do Sul entra no radar
Um dos pontos altos do evento foi a participação de convidados da Argentina e do Paraguai. “Foi surpreendente perceber o quanto temos em comum, especialmente no tipo florestal presente no norte do Paraná e em regiões desses países. Eles têm avançado no manejo e na biologia de espécies nativas, e podemos trocar muito conhecimento técnico com eles”, afirma Halley.
Essa aproximação abriu uma nova frente para o RESTORE: além das parcerias com França, Alemanha e a recém-iniciada colaboração com a Austrália, a América do Sul passa a ser vista como uma aliada estratégica. “Não apenas pela proximidade geográfica, mas porque compartilhamos os mesmos desafios ecológicos. Há muito o que construir juntos”, diz o coordenador.
Visita ao Parque Mata dos Godoy e ao Viveiro Flora Londrina
A programação do workshop incluiu ainda uma visita técnica ao Parque Estadual Mata dos Godoy e ao Viveiro Flora Londrina, onde alguns palestrantes puderam ver de perto a biodiversidade da Mata Atlântica no Paraná. As visitas reforçam a conexão entre pesquisa, ecologia e os setores convidados a participar das frentes de discussão do evento.
Para onde vai o RESTORE?
Com o encerramento do primeiro ciclo de financiamento, o projeto agora articula novas propostas para continuar crescendo. “O projeto RESTORE, ao longo de seu desenvolvimento, gerou diversas tecnologias inovadoras, como nanomateriais, biomateriais derivados de resíduos da agroindústria e microrganismos promotores de crescimento vegetal. Muitas dessas soluções já estão sendo testadas em campo. Para o futuro, a proposta é que um novo ciclo de financiamento permita fortalecer e ampliar essas parcerias, integrando universidade e setores aplicadores em torno de um objetivo comum: uma restauração florestal em maior escala, mais eficiente e com maior taxa de sucesso”, afirma Halley.
Com ciência de ponta, diálogo entre saberes e a força das soluções baseadas na natureza, o RESTORE mostra que o futuro da restauração florestal já começou — e que ele pode ser muito mais eficiente, colaborativo e resiliente.







